Aula 2: O Modelo de Resultados Potenciais para o Mercado Financeiro Brasileiro

Aula 2: O Modelo de Resultados Potenciais

Framework de Rubin para Causalidade no Mercado Financeiro Brasileiro

Objetivos de Aprendizagem

  • Compreender o Modelo de Resultados Potenciais (Rubin Causal Model)
  • Identificar as condições necessárias para inferência causal válida
  • Aplicar o framework à análise do efeito de distribuição de dividendos no retorno das ações
  • Desenvolver intuição sobre viés de seleção e contrabalanceamento no contexto financeiro

1. O Modelo de Resultados Potenciais

Na aula anterior, discutimos o problema fundamental da inferência causal: nunca observamos a mesma unidade (empresa, ativo, investidor) simultaneamente sob tratamento e controle. O Modelo de Resultados Potenciais, desenvolvido por Donald Rubin e formalizado por Angrist e Pischke, nos oferece um framework rigoroso para pensar sobre causalidade.

Resultados Potenciais

Para cada unidade i, definimos dois (ou mais) resultados potenciais:

  • Yi(1) = resultado para a unidade i se receber o tratamento
  • Yi(0) = resultado para a unidade i se não receber o tratamento

O efeito causal individual é definido como a diferença: Yi(1) - Yi(0)

No entanto, para cada unidade, observamos apenas um dos resultados potenciais - aquele correspondente ao tratamento que de fato recebeu. O outro resultado potencial é chamado de contrafactual e nunca é observado.

O Modelo de Resultados Potenciais Mundo Factual Mundo Contrafactual Empresa A Com Dividendos Y₁(1) = +3% Empresa A Sem Dividendos Y₁(0) = ? Empresa B Com Dividendos Y₂(1) = ? Empresa B Sem Dividendos Y₂(0) = +1% Efeito Causal = ?

Figura 1: Visualização do Modelo de Resultados Potenciais com exemplo de empresas que distribuem dividendos

Verificação de Leitura #1

Considere uma análise sobre o efeito da distribuição de dividendos no retorno das ações. Qual das alternativas abaixo representa corretamente o problema fundamental da inferência causal neste contexto?




2. Parâmetros Causais de Interesse

Uma vez que não podemos observar efeitos causais individuais, focamos em efeitos médios para uma população:

Parâmetros Causais

  • ATE (Average Treatment Effect): E[Yi(1) - Yi(0)]
    Efeito médio do tratamento para toda a população
  • ATT (Average Treatment Effect on the Treated): E[Yi(1) - Yi(0) | Ti = 1]
    Efeito médio do tratamento apenas para os tratados
  • ATU (Average Treatment Effect on the Untreated): E[Yi(1) - Yi(0) | Ti = 0]
    Efeito médio do tratamento para aqueles que não foram tratados

No contexto do mercado financeiro brasileiro, a distinção entre estes parâmetros é crucial. Por exemplo, o efeito de uma política de dividendos generosa pode ser diferente para empresas que já a adotam (ATT) versus aquelas que atualmente não distribuem dividendos (ATU).

ATE = P(T=1) × ATT + P(T=0) × ATU

Onde P(T=1) é a proporção de unidades tratadas na população

Verificação de Leitura #2

Uma pesquisa estima que a distribuição de dividendos aumenta o retorno das ações em média 2% para empresas que distribuem dividendos. Este resultado representa qual parâmetro causal?




3. Identificação Causal e Aleatorização

Como podemos identificar efeitos causais se nunca observamos contrafactuais? A resposta está nas condições de identificação.

Aleatorização e Independência

Se o tratamento fosse atribuído aleatoriamente, teríamos:

{Yi(1), Yi(0)} ⊥ Ti

Ou seja, os resultados potenciais são independentes do status de tratamento.

Neste caso, uma simples comparação de médias entre grupos tratados e não tratados identificaria o ATE:

E[Yi | Ti = 1] - E[Yi | Ti = 0] = E[Yi(1) | Ti = 1] - E[Yi(0) | Ti = 0] = E[Yi(1)] - E[Yi(0)] = ATE

Infelizmente, no mercado financeiro, a aleatorização raramente é possível. As empresas decidem suas políticas de dividendos, de investimento ou de financiamento com base em múltiplos fatores, criando um viés de seleção.

Exemplo: Distribuição de Dividendos

Empresas que optam por distribuir dividendos provavelmente diferem sistematicamente daquelas que não distribuem:

  • Tendem a ser mais maduras e estáveis
  • Podem ter menos oportunidades de investimento
  • Geralmente têm maior geração de caixa

Estas características também afetam os retornos de suas ações, confundindo o efeito causal da política de dividendos.

Viés de Seleção vs. Aleatorização Painel A: Viés de Seleção Maturidade Dividendos Retorno Backdoor Path Painel B: Aleatorização Maturidade Dividendos Retorno Aleatório No Painel A: A maturidade afeta tanto dividendos quanto retornos No Painel B: Dividendos atribuídos aleatoriamente, isolando o efeito causal

Figura 2: Comparação entre situação com viés de seleção (painel A) e aleatorização ideal (painel B)

Verificação de Leitura #3

Por que a aleatorização do tratamento (como distribuição de dividendos) resolve o problema de identificação causal?




4. Seleção em Observáveis e Independência Condicional

Quando a aleatorização não é possível, podemos recorrer a pressupostos mais fracos para identificação causal. Um deles é a independência condicional ou seleção em observáveis.

Pressuposto de Independência Condicional

{Yi(1), Yi(0)} ⊥ Ti | Xi

Ou seja, condicionando em covariáveis Xi, os resultados potenciais são independentes do status de tratamento.

Intuitivamente: se controlarmos para todas as variáveis relevantes que afetam tanto a seleção para o tratamento quanto o resultado, podemos identificar o efeito causal.

No contexto do mercado financeiro brasileiro, isso significa que precisamos controlar para fatores como: tamanho da empresa, setor, alavancagem, oportunidades de investimento, governança corporativa, etc.

Exemplo Prático: Controles para Estudo de Dividendos

Para estimar o efeito causal dos dividendos no retorno das ações, podemos usar uma regressão linear:

retorno_i = β₀ + β₁·dividendos_i + β₂·tamanho_i + β₃·alavancagem_i + 
       β₄·ROA_i + β₅·crescimento_vendas_i + β₆·setor_i + ε_i

Se incluirmos todas as variáveis relevantes que determinam tanto a política de dividendos quanto os retornos, o coeficiente β₁ pode ser interpretado como o efeito causal médio dos dividendos.

Nota Importante

O pressuposto de seleção em observáveis é forte! Devemos sempre questionar se realmente controlamos para todas as variáveis relevantes. Variáveis omitidas não observáveis podem comprometer a validade causal da análise.

Verificação de Leitura #4

No contexto de estimar o efeito causal dos dividendos no retorno das ações usando o pressuposto de seleção em observáveis, qual seria uma variável importante a ser incluída como controle?




5. Aplicação ao Mercado Financeiro Brasileiro

Vamos aplicar o framework de resultados potenciais ao caso específico do mercado brasileiro, onde algumas particularidades tornam o estudo da causalidade ainda mais desafiador:

  • Juros de Capital Próprio (JCP): Uma forma de remuneração específica da legislação brasileira com tratamento tributário diferenciado
  • Alta concentração de propriedade: Grandes acionistas controladores, muitas vezes famílias ou o governo
  • Diferentes níveis de governança corporativa na B3: Novo Mercado, N1, N2, etc.
  • Alta volatilidade macroeconômica: Flutuações cambiais, de juros e inflação afetando as decisões corporativas

Exemplo: Dividendos e JCP no Brasil

Considere a pergunta: "Qual o efeito causal de distribuir lucros via JCP versus dividendos tradicionais no valor da empresa?"

Neste caso, temos:

  • Yi(1) = valor da empresa i se distribuir via JCP
  • Yi(0) = valor da empresa i se distribuir via dividendos tradicionais

O problema é que a escolha entre JCP e dividendos tradicionais é endógena e depende de diversos fatores:

  • Estrutura tributária dos acionistas majoritários
  • Lucratividade passada e atual da empresa
  • Planejamento tributário corporativo

Como podemos estimar este efeito causal? Algumas abordagens:

  1. Explorar mudanças na legislação tributária como experimentos naturais
  2. Usar variáveis instrumentais como alterações exógenas na estrutura de capital
  3. Implementar métodos de pareamento para comparar empresas similares
Método Pressuposto de Identificação Aplicação aos Dividendos no Brasil
Regressão com Controles Seleção em observáveis Controlar para determinantes da política de dividendos (tamanho, setor, governança)
Matching (Pareamento) Seleção em observáveis Parear empresas com e sem dividendos que sejam similares em características observáveis
Diferenças em Diferenças Tendências paralelas Usar mudanças na política de dividendos, comparando antes e depois com grupo de controle
Variáveis Instrumentais Exclusão e monotonicidade Usar instrumentos como mudanças tributárias exógenas que afetam a decisão de distribuir dividendos

Verificação de Leitura #5

Considerando as particularidades do mercado brasileiro, qual característica torna especialmente desafiador o estudo causal do impacto de políticas de dividendos?




6. Heterogeneidade de Efeitos e LATE

Até agora, discutimos efeitos médios, mas é crucial reconhecer que o efeito do tratamento pode variar entre diferentes unidades. Este fenômeno é chamado de heterogeneidade de efeitos.

LATE (Local Average Treatment Effect)

Quando usamos métodos como variáveis instrumentais, geralmente não estimamos o ATE ou ATT, mas sim o LATE:

LATE = E[Yi(1) - Yi(0) | unidade i é um "complier"]

Onde "compliers" são unidades cujo status de tratamento é afetado pelo instrumento.

Heterogeneidade de Efeitos e LATE Taxa de distribuição de dividendos Valor da empresa Efeito Alto/Alto Efeito Baixo/Alto Efeito Alto/Baixo Efeito Baixo/Baixo Efeito Alto Efeito Baixo LATE Empresas maduras, alta governança Empresas maduras, crescimento moderado Empresas em crescimento, alto investimento Empresas com restrições financeiras

Figura 3: Visualização da heterogeneidade de efeitos e LATE no contexto de políticas de dividendos

No mercado financeiro brasileiro, a heterogeneidade de efeitos pode ser particularmente relevante. Por exemplo, o efeito de uma política de distribuição de dividendos pode variar dependendo de:

  • Setor da empresa (cíclico vs. defensivo)
  • Estágio do ciclo de vida (crescimento vs. maturidade)
  • Estrutura de propriedade (controle estatal, familiar, pulverizada)
  • Nível de governança corporativa

Implicações para Pesquisa e Política

Ao estimar efeitos causais, devemos sempre considerar:

  1. Qual população ou subpopulação está representada na estimativa?
  2. Para quem o efeito estimado é válido?
  3. É possível extrapolar os resultados para outros contextos ou populações?

Quiz Final

1. Qual é o principal obstáculo para a identificação causal segundo o Modelo de Resultados Potenciais?




2. No contexto do efeito de políticas de dividendos no valor das empresas brasileiras, qual dos seguintes parâmetros representa o efeito médio para todas as empresas, independentemente de elas distribuírem dividendos ou não?




3. Por que a aleatorização do tratamento é considerada o "padrão-ouro" para inferência causal?




4. Qual pressuposto é necessário para a identificação causal usando o método de regressão com controles?




5. No contexto do mercado financeiro brasileiro, qual característica torna o estudo causal de políticas de pagamento aos acionistas particularmente complexo?




Leituras Recomendadas

  • Angrist, J. D., & Pischke, J. S. (2008). Mostly Harmless Econometrics. Princeton University Press. Capítulo 3.
  • Imbens, G. W., & Rubin, D. B. (2015). Causal Inference for Statistics, Social, and Biomedical Sciences. Cambridge University Press. Capítulos 1-3.
  • Procianoy, J. L., & Verdi, R. S. (2009). "Dividend clientele, new insights, and the Brazilian case". RAE-Revista de Administração de Empresas, 49(4), 429-442.
  • Boulton, T. J., Braga-Alves, M. V., & Shastri, K. (2012). "Payout policy in Brazil: Dividends versus interest on equity". Journal of Corporate Finance, 18(4), 968-979.

Para a Próxima Aula

Preparem-se para discutir Aleatorização e Experimentos Naturais. Leiam o artigo de Boulton et al. (2012) sobre políticas de pagamento no Brasil para discutirmos em sala.

Referência em aprendizagem

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