Aula 5: Variáveis Instrumentais no Mercado Financeiro Brasileiro

Aula 5: Variáveis Instrumentais

Aplicações no Mercado Financeiro Brasileiro

Objetivos de Aprendizagem

  • Compreender o método de Variáveis Instrumentais (VI) para inferência causal
  • Identificar e avaliar bons instrumentos para questões financeiras
  • Interpretar corretamente os resultados de uma estimação por VI
  • Aplicar VI para quantificar o impacto do desenvolvimento financeiro no crescimento econômico regional no Brasil

1. O Problema da Endogeneidade

Nas aulas anteriores, vimos que a regressão linear pode ser usada para inferência causal quando controlamos adequadamente para confundidores. No entanto, em muitos casos no mercado financeiro, mesmo com controles e efeitos fixos, persistem problemas de endogeneidade.

Fontes de Endogeneidade

  1. Causalidade Reversa: A variável dependente também afeta a variável independente
  2. Variáveis Omitidas: Existem confundidores não observados que afetam tanto a variável independente quanto a dependente
  3. Erro de Mensuração: A variável independente é medida com erro, causando atenuação do coeficiente
  4. Viés de Seleção: A amostra não é representativa da população de interesse

No mercado financeiro brasileiro, esses problemas são particularmente relevantes devido à:

  • Alta concentração de propriedade e controle familiar
  • Menor transparência informacional comparada a mercados desenvolvidos
  • Maior volatilidade macroeconômica
  • Menor liquidez em diversos ativos
Problemas de Endogeneidade A. Causalidade Reversa X Y Afeta Afeta (reverso) B. Variável Omitida X Y U Efeito direto Confundidor Confundidor C. Erro de Mensuração X* = X + ε β̂ → 0 (Atenuação) Estimar: Y = βX* D. Viés de Seleção Amostra não representativa Ex: Analisar apenas empresas sobreviventes (survivorship bias)

Figura 1: Principais problemas de endogeneidade no contexto do mercado financeiro

Verificação de Leitura #1

No contexto da Figura 1, qual problema de endogeneidade está presente quando estudamos a relação entre governança corporativa e valor de mercado, se empresas com maior valor de mercado tendem a adotar melhores práticas de governança?




2. Variáveis Instrumentais: Conceito e Requisitos

O método de Variáveis Instrumentais (VI) é uma poderosa técnica para lidar com endogeneidade. A ideia central é encontrar uma variável (instrumento) que afeta a variável independente endógena, mas não afeta diretamente a variável dependente.

Requisitos para uma Boa Variável Instrumental

  1. Relevância: O instrumento (Z) deve estar fortemente correlacionado com a variável endógena (X)
  2. Restrição de Exclusão: O instrumento (Z) afeta a variável dependente (Y) apenas através da variável endógena (X)
  3. Exogeneidade: O instrumento (Z) não está correlacionado com o termo de erro (ε)
Lógica das Variáveis Instrumentais Z Instrumento X Endógena Y Resultado U Confundidor Relevância Efeito Causal Violação da Restrição de Exclusão Testes de Validação: 1. Primeira Etapa: Testar se Corr(Z,X) é forte (F > 10) 2. Relevância: β̂z,x estatisticamente significativo 3. Validade: Testes de sobreidentificação (se múltiplos instrumentos)

Figura 2: Diagrama causal (DAG) ilustrando a lógica e requisitos das variáveis instrumentais

Exemplo Intuitivo: Lei da Demanda

Queremos estimar a elasticidade-preço da demanda (o efeito causal do preço sobre a quantidade demandada). No entanto, preço e quantidade são determinados simultaneamente no mercado, causando endogeneidade.

Problema: Causalidade reversa (preço → quantidade e quantidade → preço)

Solução: Usar choques de oferta como instrumento (ex: clima afeta produção agrícola → afeta preço → afeta quantidade)

Por que funciona? O clima afeta diretamente a oferta (relevância), mas não afeta diretamente a demanda dos consumidores (restrição de exclusão).

Verificação de Leitura #2

Com base na Figura 2, qual condição seria violada se o instrumento Z afetasse diretamente o resultado Y, sem passar por X?




3. Método dos Mínimos Quadrados em Dois Estágios (MQ2E)

A implementação mais comum do método de Variáveis Instrumentais é o Método dos Mínimos Quadrados em Dois Estágios (MQ2E ou 2SLS).

Procedimento em Dois Estágios

Primeiro Estágio: Regredir a variável endógena (X) sobre o instrumento (Z) e demais controles

Xi = π0 + π1Zi + π2Wi + vi

Obter os valores preditos X̂i

Segundo Estágio: Regredir a variável dependente (Y) sobre os valores preditos (X̂) e demais controles

Yi = β0 + β1i + β2Wi + εi

β1 é o estimador de MQ2E para o efeito causal de X em Y

Importante!

O estimador de MQ2E é consistente mesmo com endogeneidade, mas:

  • É menos eficiente que MQO quando não há endogeneidade
  • Requer amostras maiores para precisão comparável
  • É mais sensível à especificação do modelo
  • Produz erros-padrão maiores, reduzindo a potência estatística

Portanto, use VI apenas quando houver razões fortes para acreditar na existência de endogeneidade.

# Exemplo de implementação em Python com statsmodels
import pandas as pd
import numpy as np
import statsmodels.api as sm
from statsmodels.sandbox.regression.gmm import IV2SLS

# Modelo com um único instrumento
modelo_iv = IV2SLS(y, X, z).fit()

# Verificando a primeira etapa
primeira_etapa = sm.OLS(X, sm.add_constant(np.column_stack((z, w)))).fit()
f_statistic = primeira_etapa.fvalue  # Idealmente > 10 para evitar instrumento fraco

# Modelo com múltiplos instrumentos
modelo_iv_multi = IV2SLS(y, X, z_multi).fit()

# Teste de sobreidentificação (se múltiplos instrumentos)
sargan_stat = modelo_iv_multi.sargan()  # H0: instrumentos são válidos

Verificação de Leitura #3

No contexto do Método dos Mínimos Quadrados em Dois Estágios (MQ2E), qual é o objetivo do primeiro estágio da regressão?




4. Potenciais Instrumentos para o Mercado Financeiro Brasileiro

Encontrar bons instrumentos é o maior desafio na aplicação do método de VI. No contexto do mercado financeiro brasileiro, alguns instrumentos potencialmente úteis incluem:

Variável Endógena Potenciais Instrumentos Justificativa
Governança Corporativa Distância da sede à bolsa de valores (B3) Empresas mais distantes dos centros financeiros tendem a adotar diferentes práticas de governança, mas a distância não afeta diretamente o desempenho
Estrutura de Capital Mudanças tributárias que afetam a dedutibilidade dos juros Alterações na legislação tributária afetam as decisões de financiamento, mas são exógenas às empresas individualmente
Desenvolvimento Financeiro Presença histórica de bancos públicos regionais; Restrições regulatórias bancárias Fatores históricos e regulatórios afetam o desenvolvimento do sistema financeiro, mas não afetam diretamente o crescimento econômico atual
Liquidez de Mercado Inclusão/exclusão do índice Ibovespa A inclusão no índice afeta a liquidez devido a fundos de índice, mas os critérios de inclusão não estão diretamente ligados ao desempenho futuro
Internacionalização de Empresas Choques cambiais exógenos (crises internacionais) Desvalorizações cambiais súbitas afetam as decisões de internacionalização, mas são exógenas às empresas individuais

Critérios para Avaliar Instrumentos no Mercado Financeiro

  1. Plausibilidade teórica: Existe uma teoria econômica ou financeira que justifica a relevância do instrumento?
  2. Teste de primeira etapa: O instrumento explica uma parte significativa da variação da variável endógena? (F > 10)
  3. Argumentação institucional: Existe algum aspecto institucional que suporte a restrição de exclusão?
  4. Testes estatísticos: Se houver múltiplos instrumentos, teste de sobreidentificação (Sargan/Hansen)
  5. Testes de robustez: Os resultados são consistentes com diferentes especificações e amostras?

Verificação de Leitura #4

Por que a "distância da sede à bolsa de valores (B3)" pode ser um instrumento válido para estudar o efeito da governança corporativa no desempenho das empresas brasileiras?




5. Aplicação: Desenvolvimento Financeiro e Crescimento Econômico Regional

Uma questão importante para o mercado financeiro brasileiro é entender como o desenvolvimento do sistema financeiro afeta o crescimento econômico das diferentes regiões do país.

Caso: Desenvolvimento Financeiro e Crescimento no Brasil

Pergunta de pesquisa: Qual o efeito causal do desenvolvimento financeiro local no crescimento econômico dos municípios brasileiros?

Problema de endogeneidade: Causalidade reversa (regiões que crescem mais atraem mais bancos) e variáveis omitidas (fatores institucionais locais)

Estratégia de VI: Usar a presença histórica de agências do Banco do Brasil em 1940 como instrumento para o desenvolvimento financeiro atual

Justificativa: A localização das agências em 1940 foi influenciada por fatores políticos e históricos, mas essas decisões foram tomadas há tanto tempo que provavelmente não afetam diretamente o crescimento econômico atual, exceto através do desenvolvimento financeiro subsequente.

Relação entre Desenvolvimento Financeiro e Crescimento Regional Aplicação do Método MQ2E Primeira Etapa DesenFini = π0 + π1AgBB1940i + π2Controlesi + vi F-statistic = 16.8 > 10 (instrumento forte) Segunda Etapa Crescimentoi = β0 + β1DesenFin̂i + β2Controlesi + εi β1 = 0.42 (efeito causal estimado) MQO βmq0 = 0.18 VI/MQ2E βmq2e = 0.42 O efeito estimado por VI é maior que por MQO, sugerindo viés de atenuação devido a erro de medida ou confundidores que afetam negativamente o desenvolvimento financeiro

Figura 3: Aplicação do método VI/MQ2E para estimar o efeito do desenvolvimento financeiro no crescimento econômico regional

Interpretação dos Resultados

O coeficiente de VI/MQ2E (0.42) é maior que o de MQO (0.18), sugerindo que a estimativa de MQO subestima o verdadeiro efeito causal. Algumas implicações:

  • O desenvolvimento financeiro tem um efeito causal positivo e substancial sobre o crescimento econômico regional no Brasil
  • O viés de MQO pode estar ocorrendo devido a erro de medida na variável de desenvolvimento financeiro ou confundidores não observados
  • Políticas que promovem o desenvolvimento do sistema financeiro local podem ter impactos significativos sobre o crescimento econômico regional

Verificação de Leitura #5

Na aplicação apresentada na Figura 3, por que o coeficiente estimado por VI/MQ2E (0.42) é maior que o estimado por MQO (0.18)?




6. Desafios e Limitações do Método VI

Embora o método de Variáveis Instrumentais seja poderoso, ele apresenta desafios e limitações importantes:

Desafios

  • Encontrar bons instrumentos: Frequentemente é difícil encontrar variáveis que satisfaçam os requisitos de relevância e restrição de exclusão
  • Instrumentos fracos: Se a correlação entre Z e X for fraca, as estimativas de VI podem ser enviesadas e ter alta variância
  • Restrição de exclusão não testável: Não é possível testar diretamente se Z afeta Y apenas através de X (apenas argumentação teórica)
  • LATE vs. ATE: O método VI estima o efeito local do tratamento para os "compliers", não o efeito médio para toda a população

Soluções Práticas

  • Teste de primeira etapa: Verificar se F > 10 para evitar problemas de instrumento fraco
  • Múltiplos instrumentos: Usar vários instrumentos quando disponíveis e testar sobreidentificação
  • Análise de sensibilidade: Testar como os resultados mudam com diferentes especificações
  • Abordagem agnóstica: Reportar resultados de MQO e VI lado a lado, discutindo as diferenças
  • Transparência: Apresentar argumentos claros para a validade dos instrumentos

Lembrando: O Que o VI Estima?

O método VI estima o Efeito Local do Tratamento (LATE - Local Average Treatment Effect) para os "compliers" - unidades cujo tratamento é afetado pelo instrumento. Isso não é necessariamente igual ao Efeito Médio do Tratamento (ATE) para toda a população.

No contexto do mercado financeiro, isso significa que a interpretação dos resultados deve considerar para qual subpopulação o efeito está sendo estimado.

Quiz Final

1. Em um estudo sobre o efeito da estrutura de propriedade no desempenho das empresas brasileiras, qual das seguintes variáveis seria o melhor instrumento para a concentração de propriedade?




2. O que significa um valor de F-statistic de 5 no teste de primeira etapa de uma estimação por VI?




3. Qual das seguintes situações NÃO representa um problema de endogeneidade que poderia ser tratado com Variáveis Instrumentais?




4. Em um estudo que utiliza VI, o coeficiente estimado por MQO é 0.3 e o coeficiente estimado por MQ2E é 0.8. Qual a interpretação mais provável para essa diferença?




5. No contexto do mercado financeiro brasileiro, qual das seguintes afirmações sobre o método de Variáveis Instrumentais é FALSA?




Leituras Recomendadas

  • Angrist, J. D., & Pischke, J. S. (2008). Mostly Harmless Econometrics. Princeton University Press. Capítulo 4.
  • Wooldridge, J. M. (2010). Econometric Analysis of Cross Section and Panel Data. MIT Press. Capítulo 5.
  • Nakane, M. I., & Weintraub, D. B. (2005). "Bank privatization and productivity: Evidence for Brazil". Journal of Banking & Finance, 29(8-9), 2259-2289.
  • Lazzarini, S. G., & Musacchio, A. (2018). "State-owned enterprises as multinationals: Theory and research directions". Journal of World Business, 53(5), 719-730.
  • Acharya, V. V., Amihud, Y., & Litov, L. (2011). "Creditor rights and corporate risk-taking". Journal of Financial Economics, 102(1), 150-166.

Para a Próxima Aula

Preparem-se para discutir Experimentos Aleatorizados e sua aplicação em finanças. Leiam Angrist & Pischke (2008), capítulos 1 e 2.

Referência em aprendizagem

About Us

Terms of Use

Our Team

How It Works

Accessibility

Support

FAQs

Terms & Conditions

Privacy Policy

Career

Download nosso App

Quick Links

About

Help Centre

Business

Contact

© 2025 Axioma Informática e Tecnologia