Aula 1: Introdução à Econometria Causal para o Mercado Financeiro Brasileiro

Aula 1: Introdução à Econometria Causal

Aplicações no Mercado Financeiro Brasileiro

Objetivos de Aprendizagem

  • Compreender a diferença fundamental entre correlação e causalidade
  • Entender o problema básico da inferência causal
  • Identificar situações no mercado financeiro brasileiro onde a distinção é crucial
  • Introduzir o framework de análise causal de Angrist e Pischke

1. O Desafio da Causalidade em Finanças

No mercado financeiro, tomamos decisões constantemente baseadas em suposições causais: "Se eu investir no Novo Mercado, terei retornos melhores"; "Se o Banco Central aumentar a taxa Selic, as ações de bancos se valorizarão"; "Se adotar práticas ESG, minha empresa terá menor custo de capital".

Mas como saber se essas relações são realmente causais ou apenas correlações espúrias? Esta é a questão central da econometria moderna e particularmente relevante para o mercado financeiro brasileiro.

Conceito Fundamental

Correlação: Medida estatística que indica a associação entre duas variáveis.

Causalidade: Relação onde a mudança em uma variável (causa) provoca mudança em outra variável (efeito).

A famosa frase resume bem: "Correlação não implica causalidade".

Correlação vs. Causalidade Painel A: Correlação Adoção de ESG Valorização da Ação Correlação não implica causalidade Painel B: Causalidade Adoção de ESG Valorização da Ação Efeito Causal Comparação de grupos tratados vs. controle Grupo Controle Grupo Tratamento Relação Causal

Figura 1: Diferença entre correlação (painel A) e relação causal (painel B)

Verificação de Leitura #1

Considere a seguinte situação: "Empresas que divulgam relatórios ESG detalhados apresentam maior valorização de suas ações no período 2020-2023."

Esta afirmação representa:




2. O Problema Fundamental da Inferência Causal

Para entender a causalidade, precisamos considerar o que Angrist e Pischke chamam de "problema fundamental da inferência causal": nunca podemos observar o mesmo indivíduo (ou empresa) simultaneamente sob tratamento e controle.

Exemplo do Mercado Financeiro

Queremos saber se aderir ao segmento do Novo Mercado da B3 causa um aumento no valor das ações de uma empresa.

Para cada empresa i, podemos definir dois resultados potenciais:

  • Yi(1) = valor da empresa i se ela aderir ao Novo Mercado
  • Yi(0) = valor da mesma empresa i se ela NÃO aderir ao Novo Mercado

O efeito causal seria: Yi(1) - Yi(0)

Mas o problema é que nunca observamos ambos Yi(1) e Yi(0) para a mesma empresa! A empresa ou adere ao Novo Mercado ou não.

Este é o problema fundamental: nunca podemos observar o contrafactual - o que teria acontecido com a mesma empresa se ela tivesse tomado a decisão oposta.

Contrafactual

Na econometria causal, o contrafactual refere-se ao resultado que teria ocorrido para um indivíduo ou entidade caso tivesse recebido um tratamento diferente do que efetivamente recebeu.

No exemplo do Novo Mercado: para empresas que aderiram, o contrafactual seria seu valor caso não tivessem aderido; para as que não aderiram, seria seu valor caso tivessem aderido.

Verificação de Leitura #2

Por que não podemos simplesmente comparar o valor médio das empresas que aderiram ao Novo Mercado com as que não aderiram para determinar o efeito causal?




3. Métodos para Inferência Causal

Angrist e Pischke apresentam diversos métodos para contornar o problema fundamental e estimar efeitos causais. Vamos apresentar brevemente os principais, que serão detalhados nas próximas aulas:

Método Ideia Principal Exemplo no Mercado Financeiro Brasileiro
Experimentos Aleatorizados Aleatorizar quem recebe tratamento para eliminar viés de seleção Oferecer aleatoriamente diferentes incentivos para investidores e medir diferenças em comportamento
Diferenças em Diferenças Comparar mudanças ao longo do tempo entre grupos tratados e não tratados Avaliar o impacto da Lei das Estatais no desempenho de empresas públicas vs. privadas
Variáveis Instrumentais Usar variação exógena para identificar efeito causal Usar eventos climáticos como instrumento para analisar o efeito de preços de commodities em ações do agronegócio
Regressão Descontínua Explorar descontinuidades em regras de atribuição Analisar efeitos da inclusão no índice Ibovespa usando o limite de corte como descontinuidade
Pareamento Comparar unidades tratadas com unidades não tratadas similares Comparar empresas que fizeram IPO com similares que permaneceram fechadas

Verificação de Leitura #3

Qual método seria mais adequado para analisar o impacto da inclusão de uma ação no Índice Ibovespa em seu volume de negociação?




4. Aplicação Prática: Novo Mercado e Valor da Empresa

Vamos discutir como poderíamos estimar o efeito causal da adesão ao Novo Mercado da B3 sobre o valor de mercado das empresas brasileiras.

Desafio de Identificação

Problemas ao simplesmente comparar empresas do Novo Mercado com outras:

  • Viés de seleção: Empresas que escolhem aderir ao Novo Mercado podem já ser diferentes em aspectos não observáveis (ex: qualidade da gestão)
  • Causalidade reversa: Empresas com maior valor podem ter mais recursos para implementar as práticas exigidas pelo Novo Mercado
  • Variáveis omitidas: Fatores que afetam tanto a decisão de aderir quanto o valor da empresa

Possíveis estratégias de identificação:

  1. Diferenças em Diferenças: Comparar a evolução do valor de empresas que aderiram versus não aderiram ao Novo Mercado, antes e depois da adesão
  2. Variáveis Instrumentais: Usar alguma variação exógena que afete a probabilidade de adesão, mas não afete diretamente o valor da empresa
  3. Pareamento por Escore de Propensão: Comparar empresas que aderiram com empresas similares que não aderiram
Método de Diferenças em Diferenças Impacto da Adesão ao Novo Mercado no Valor das Empresas Tempo Valor de Mercado Adesão ao Novo Mercado t-2 t-1 t t+1 t+2 1.0 1.5 2.0 2.5 Efeito DiD Empresas fora do Novo Mercado Empresas que aderiram ao Novo Mercado Contrafactual (tendência sem adesão)

Figura 2: Exemplo de aplicação do método de Diferenças em Diferenças para avaliar o impacto da adesão ao Novo Mercado

Verificação de Leitura #4

No contexto do exemplo do Novo Mercado, qual das seguintes afirmações é verdadeira sobre o método de Diferenças em Diferenças?




5. O Framework de Angrist e Pischke

O framework apresentado por Angrist e Pischke em "Mostly Harmless Econometrics" nos oferece uma abordagem sistemática para pensar sobre problemas de identificação causal:

LATE (Local Average Treatment Effect)

Muitas vezes, não conseguimos estimar o efeito médio do tratamento para toda a população, mas apenas para um subgrupo específico - aqueles que são "afetados" pelo nosso método de identificação.

Por exemplo, ao usar uma variável instrumental, estimamos o efeito apenas para os "compliers" - unidades cujo status de tratamento é afetado pelo instrumento.

Os cinco passos para uma análise causal rigorosa segundo Angrist e Pischke:

  1. Definir claramente a questão causal: Qual tratamento? Qual resultado? Qual é a população de interesse?
  2. Identificar o problema de identificação: Por que uma comparação simples não funcionaria?
  3. Escolher uma estratégia de identificação adequada: Qual método melhor se adequa ao problema?
  4. Implementar a estratégia corretamente: Atenção a detalhes técnicos e pressupostos
  5. Interpretar os resultados corretamente: Para qual grupo os resultados são válidos? Quais são as limitações?

Verificação de Leitura #5

O que significa LATE no contexto de variáveis instrumentais?




Quiz Final

1. Qual das seguintes afirmações melhor descreve o "problema fundamental da inferência causal"?




2. Uma empresa do setor de energia anuncia a adoção de práticas ESG e, no mesmo dia, suas ações sobem 3%. O que podemos concluir?




3. Qual método seria mais adequado para analisar o impacto causal de uma mudança na regulamentação da CVM que afetou todas as empresas listadas na B3 ao mesmo tempo?




4. No contexto do mercado financeiro brasileiro, por que é particularmente difícil estabelecer relações causais?




5. Qual destas NÃO é uma vantagem do método de Diferenças em Diferenças para estimar efeitos causais?




Leituras Recomendadas

  • Angrist, J. D., & Pischke, J. S. (2008). Mostly Harmless Econometrics. Princeton University Press. Capítulos 1 e 2.
  • Angrist, J. D., & Pischke, J. S. (2014). Mastering 'Metrics: The Path from Cause to Effect. Princeton University Press. Capítulo 1.
  • Carvalho, C. J., & Ribeiro, A. (2020). "Governança Corporativa e Valor de Mercado: o que aconteceu com as empresas brasileiras que aderiram ao Novo Mercado?" Revista Brasileira de Finanças, 18(1), pp. 34-62.
  • Cunningham, S. (2021). Causal Inference: The Mixtape. Yale University Press. Capítulo 1.

Para a Próxima Aula

Preparem-se para discutir o Modelo de Resultados Potenciais (Rubin Causal Model) e suas aplicações no mercado financeiro brasileiro. Leiam o artigo de Carvalho & Ribeiro (2020) sobre empresas do Novo Mercado para discutirmos em sala.

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