Aula 4: Regressão Linear como Ferramenta Causal para o Mercado Financeiro Brasileiro

Aula 4: Regressão Linear como Ferramenta Causal

Aplicações no Mercado Financeiro Brasileiro

Objetivos de Aprendizagem

  • Compreender como a regressão linear pode ser usada para inferência causal
  • Identificar e interpretar corretamente os pressupostos para interpretação causal
  • Aplicar técnicas de controle para variáveis confundidoras
  • Analisar o efeito do nível de governança corporativa no custo de capital de empresas brasileiras

1. Regressão Linear: Da Correlação à Causalidade

A regressão linear é uma ferramenta estatística amplamente utilizada no mercado financeiro para modelar relações entre variáveis. No entanto, há uma grande diferença entre usar regressão para descrever correlações e usá-la para inferir causalidade.

Modelo Linear Básico

A regressão linear modela a relação entre uma variável dependente Y e variáveis independentes X:

Yi = β0 + β1Xi + εi

Onde:

  • Yi é a variável de resultado para a unidade i (ex: retorno da ação)
  • Xi é a variável de tratamento ou interesse (ex: nível de governança)
  • β0 é o intercepto, β1 é o coeficiente de interesse
  • εi é o termo de erro

Em finanças, frequentemente estimamos regressões como:

Retornoi = β0 + β1Betai + β2Tamanhoi + β3BMi + εi

Mas quando podemos interpretar o coeficiente β1 como um efeito causal?

Da Correlação à Causalidade Painel A: Correlação ≠ Causalidade Governança Corporativa Valor da Empresa G T V Afeta Afeta Governança Tamanho Valor Painel B: Controle Adequado Governança Corporativa Valor da Empresa G T V Afeta Afeta Efeito Direto Governança Tamanho Valor Pequenas Médias Grandes

Figura 1: Ilustração da diferença entre correlação espúria e inferência causal com controle adequado

Verificação de Leitura #1

No contexto da figura acima, por que a correlação entre governança corporativa e valor da empresa no Painel A pode não representar um efeito causal?




2. Pressupostos para Interpretação Causal

Para que possamos interpretar o coeficiente β1 como um efeito causal, precisamos que alguns pressupostos sejam satisfeitos:

Pressupostos para Inferência Causal em Regressão

  1. Independência Condicional (CIA): Condicional às variáveis de controle X, o tratamento D é independente dos resultados potenciais.
  2. Não há Confundidores Não Observáveis: Todas as variáveis que afetam simultaneamente o tratamento e o resultado estão incluídas no modelo.
  3. Especificação Correta do Modelo: A forma funcional da relação entre variáveis está corretamente especificada.
  4. Estabilidade (SUTVA): O tratamento de uma unidade não afeta o resultado de outras unidades.

Em termos do diagrama causal (DAG - Direct Acyclic Graph), o coeficiente de regressão tem interpretação causal quando:

Diagramas Causais para Interpretação Causal Viés de Confundidor D Tratamento Y Resultado X Confundidor Backdoor Path β ≠ Efeito Causal Necessário controlar X Controle Adequado D Tratamento Y Resultado X Controlado Efeito Causal β = Efeito Causal Backdoor bloqueado

Figura 2: Diagramas causais ilustrando o efeito de confundidores e do controle adequado

Exemplo: Governança Corporativa e Valor no Brasil

Queremos estimar o efeito causal do nível de governança corporativa (GC) no valor de mercado das empresas brasileiras.

Modelo simples (com viés de confundidor):

Valor/PLi = β0 + β1GCi + εi

Modelo com controles adequados:

Valor/PLi = β0 + β1GCi + β2Tamanhoi + β3ROAi + β4Alavancagemi + β5Setori + εi

Potenciais confundidores não observáveis que ainda poderiam existir: qualidade da gestão, cultura organizacional, ambiente institucional específico.

Verificação de Leitura #2

De acordo com os diagramas causais da Figura 2, qual das seguintes afirmações é verdadeira?




3. Estratégias para Identificação Causal com Regressão

Quando trabalhamos com dados observacionais, como é comum no mercado financeiro, precisamos de estratégias para lidar com potenciais confundidores e garantir uma interpretação causal dos coeficientes.

Estratégias-Chave

  1. Incluir Controles Relevantes: Identificar e incluir variáveis que podem ser confundidores
  2. Efeitos Fixos: Controlar heterogeneidade não observada constante no tempo ou entre grupos
  3. Variáveis Instrumentais: Usar variação exógena para identificar efeitos causais (discutido na próxima aula)
  4. Análise de Sensibilidade: Testar como os resultados mudam com diferentes especificações

Vamos focar nas duas primeiras estratégias nesta aula.

3.1 Seleção de Controles Relevantes

A seleção adequada de controles é crucial para a interpretação causal. No contexto do mercado financeiro brasileiro, alguns controles importantes incluem:

Tipo de Controle Variáveis Específicas Por que é Importante
Características da Empresa Tamanho (ln Ativos), Idade, Setor Empresas maiores e mais antigas tendem a ter melhor governança e maior valor
Performance Operacional ROA, ROE, Margem EBITDA Performance afeta tanto a capacidade de implementar práticas de governança quanto o valor
Estrutura Financeira Alavancagem, Liquidez Corrente Empresas com diferentes níveis de dívida enfrentam diferentes pressões de governança
Estrutura de Propriedade Concentração acionária, Propriedade estatal Estruturas de propriedade diferentes influenciam decisões de governança
Liquidez de Mercado Volume negociado, Bid-ask spread Ações mais líquidas podem ter precificação mais eficiente

Cuidado com o Controle Excessivo!

Nem todas as variáveis devem ser incluídas como controles. Em particular, devemos evitar controlar:

  • Resultados intermediários: Variáveis que são afetadas pelo tratamento e que, por sua vez, afetam o resultado final (collider bias)
  • Variáveis "bad controls": Variáveis determinadas após o tratamento
  • Controles irrelevantes: Variáveis que não são confundidores e podem reduzir a precisão
Controles Adequados vs. Bad Controls Painel A: Controle Adequado Gov Valor ROA Efeito Causal Governança Corporativa Valor de Mercado ✓ Controlar ROA é correto ROA é confundidor Painel B: Bad Control Gov Valor DivY Efeito Causal Governança Corporativa Valor de Mercado Dividend Yield ✗ Controlar DivY é incorreto DivY é resultado intermediário

Figura 3: Controle adequado vs. controle inadequado ("bad control")

Verificação de Leitura #3

Com base na Figura 3, por que controlar o dividend yield (DivY) ao estimar o efeito da governança corporativa no valor da empresa seria um erro?




3.2 Efeitos Fixos

Os efeitos fixos são uma técnica poderosa para controlar características não observáveis que são constantes dentro de determinados grupos ou períodos.

Tipos de Efeitos Fixos Relevantes para o Mercado Financeiro Brasileiro

  • Efeitos Fixos de Empresa: Controlam características não observáveis específicas de cada empresa que são constantes no tempo
  • Efeitos Fixos de Setor: Controlam características não observáveis específicas de cada setor
  • Efeitos Fixos de Tempo: Controlam choques macroeconômicos que afetam todas as empresas em um determinado período
  • Efeitos Fixos de Região: Relevantes para controlar características institucionais locais

A implementação de efeitos fixos pode ser feita através de variáveis dummy ou transformação within:

# Exemplo de implementação em Python com pandas e statsmodels
import pandas as pd
import statsmodels.formula.api as smf

# Modelo com efeitos fixos de empresa e tempo
modelo_ef = smf.ols('valor ~ governanca + tamanho + alavancagem + C(empresa) + C(ano)', 
                     data=dados_painel).fit()

# Alternativamente, usando transformação within com a biblioteca plm do R
# plm(valor ~ governanca + tamanho + alavancagem, 
#     data=dados_painel, index=c("empresa", "ano"), model="within")

Caso Prático: Governança e Valor com Efeitos Fixos

Considerando o exemplo de estimar o efeito da governança no valor das empresas brasileiras, poderíamos especificar:

Valor/PLi,t = β0 + β1Governançai,t + β2Xi,t + αi + λt + εi,t

Onde:

  • Xi,t representa controles variantes no tempo
  • αi são efeitos fixos de empresa (características não observáveis e constantes no tempo)
  • λt são efeitos fixos de tempo (choques macroeconômicos que afetam todas as empresas)

Esta especificação nos permite identificar o efeito da variação da governança dentro de cada empresa ao longo do tempo, controlando características fixas das empresas e choques temporais.

Verificação de Leitura #4

No contexto do mercado financeiro brasileiro, qual é a principal vantagem de usar efeitos fixos de empresa em uma regressão para estimar o efeito da governança corporativa no custo de capital?




4. Implementação e Interpretação com Dados Brasileiros

Vamos aplicar os conceitos discutidos para analisar o efeito do nível de governança corporativa no custo de capital das empresas brasileiras.

Caso: Níveis de Governança da B3 e Custo de Capital

No Brasil, a B3 criou segmentos especiais de listagem com diferentes requisitos de governança:

  • Novo Mercado (NM): Nível mais alto de governança
  • Nível 2 (N2): Segunda maior exigência de governança
  • Nível 1 (N1): Nível intermediário de governança
  • Tradicional: Sem requisitos especiais além dos legais

Queremos responder: A adesão a níveis mais elevados de governança reduz o custo de capital das empresas brasileiras?

Custo de Capital vs. Nível de Governança (B3) Nível de Governança Custo de Capital (%) 10 12 14 16 18 Tradicional Nível 1 Nível 2 Novo Mercado Sem controle adequado Com controles e efeitos fixos

Figura 4: Relação entre nível de governança e custo de capital, com e sem controles adequados

Interpretação dos Resultados

Uma análise sem controles adequados (linha laranja) mostra uma relação fraca entre governança e custo de capital. Porém, após controlar adequadamente por tamanho, alavancagem, risco, liquidez, setor e efeitos fixos de tempo (linha azul), vemos um padrão claro:

  • Empresas no Novo Mercado têm custo de capital aproximadamente 2 pontos percentuais menor que empresas no segmento Tradicional
  • Existe uma relação gradual: quanto maior o nível de governança, menor o custo de capital
  • O efeito é economicamente significativo: uma redução de 2 pontos percentuais no custo de capital representa economia substancial para empresas brasileiras

Verificação de Leitura #5

Com base na Figura 4, por que a relação entre governança e custo de capital aparenta ser mais forte após a inclusão de controles adequados e efeitos fixos?




5. Limitações da Abordagem de Regressão

Apesar da sua utilidade, a abordagem de regressão com controles tem limitações importantes:

Limitações Principais

  1. Confundidores Não Observáveis: Mesmo com controles e efeitos fixos, podem existir confundidores que variam no tempo e não são observáveis
  2. Causalidade Reversa: A direção da causalidade pode ser ambígua (ex: melhor governança leva a maior valor ou empresas mais valiosas adotam melhor governança?)
  3. Variável Omitida: Possivelmente existe alguma variável omitida que afeta tanto a governança quanto o valor
  4. Seleção: Empresas que escolhem níveis mais elevados de governança podem ser sistematicamente diferentes
  5. Forma Funcional: A especificação do modelo pode estar incorreta (relações não-lineares, interações, etc.)

Para lidar com essas limitações, métodos mais avançados são necessários, como Variáveis Instrumentais, que abordaremos na próxima aula.

Quiz Final

1. Qual das seguintes condições é necessária para interpretar o coeficiente de uma regressão linear como um efeito causal?




2. No contexto do mercado financeiro brasileiro, qual das seguintes variáveis seria considerada um "bad control" ao estimar o efeito da governança corporativa no valor da empresa?




3. Por que os efeitos fixos de empresa são úteis para estimar o efeito causal da governança corporativa no custo de capital?




4. Em um estudo sobre o impacto da governança corporativa no valor das empresas brasileiras, qual abordagem NÃO ajudaria a mitigar o problema de causalidade reversa?




5. Com base nos conceitos discutidos na aula, qual afirmação está correta sobre a interpretação causal do coeficiente de governança corporativa em uma regressão que estima seu efeito no valor da empresa?




Leituras Recomendadas

  • Angrist, J. D., & Pischke, J. S. (2008). Mostly Harmless Econometrics. Princeton University Press. Capítulo 3.
  • Wooldridge, J. M. (2010). Econometric Analysis of Cross Section and Panel Data. MIT Press. Capítulos 10 e 11.
  • Silveira, A. D. M., Barros, L. A. B. C., & Famá, R. (2006). "Determinantes do nível de governança corporativa das companhias abertas brasileiras". Revista de Administração da USP, 41(3), 338-350.
  • Black, B. S., de Carvalho, A. G., & Sampaio, J. O. (2014). "The evolution of corporate governance in Brazil". Emerging Markets Review, 20, 176-195.
  • Leal, R. P. C., & Carvalhal-da-Silva, A. L. (2007). "Corporate governance and value in Brazil (and in Chile)". Inter-American Development Bank Research Network Working Paper, R-514.

Para a Próxima Aula

Preparem-se para discutir Variáveis Instrumentais, que nos ajudarão a lidar com as limitações da abordagem de regressão para identificação causal. Leiam Angrist & Pischke (2008), capítulo 4.

Referência em aprendizagem

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